Recriação da sala de aula do Estado Novo e concerto pela Academia de Música foram os momentos altos
Sernancelhe comemorou 25 de Abril
"Descolonizar, Democratizar, Desenvolver". As máximas de Abril de 1974, recordadas em 2011 pela Associação 25 de Abril, parecem querer lembrar ao povo português que a revolução tinha propósitos, ideais, motivos. Trinta e sete anos depois da "revolução dos cravos", as cerimónias alusivas ao 25 de Abril, por todo o País, persistem em tentar perceber que Abril foi este que Portugal construiu, se valeu a pena, se foi para isto que se fez, se é preciso outro 25 de Abril em Portugal.
O Concelho de Sernancelhe, ano após ano, celebra Abril e procura dar resposta a tantas e tantas interrogações que se levantam sempre por esta altura. Porém, tendo uma certeza: a liberdade, a democracia e a autonomia do Poder Local foram os grandes feitos de Abril, que urge preservar e defender.
Como é tradição, a cerimónia do 25 de Abril, em Sernancelhe, começa com a interpretação do Hino Nacional e o hastear da bandeira nacional, este ano içada pelo Coronel Castro Carneiro, Capitão de Abril, condecorado pelo Município de Sernancelhe em 2010 com a Medalha de Honra do Concelho de Sernancelhe. Feita a revista à guarda de honra dos Bombeiros Voluntários, foi no Salão Nobre dos Paços do Concelho que a sessão solene do 25 de Abril teve o seu momento mais importante.
"É preciso fazer outro 25 de Abril?"
"As minhas mãos libertadas/Deram às Forças Armadas/Muitos cravos encarnados/E se o País precisar/Cá estão para ajudar/Todos os necessitados. Renata Pereira e Luís Ferreira, dois jovens do Concelho de Sernancelhe, deram voz a belos poemas de Abril, um de Micael Pereira e outro de José Fanha. Momentos poéticos que descrevem sentimentos de uma época dominada por grandes incertezas e muita esperança.
No Salão Nobre, a Presidente da Assembleia Municipal, Adélia Sobral, deu por aberta a sessão e convidou os partidos políticos com representação na Assembleia Municipal a dirigiram algumas palavras evocativas da efeméride às cerca de duas centenas de pessoas presentes. O Partido Socialista evidenciou a necessidade de políticas para a juventude, aludindo ao facto de residir nos jovens de hoje a esperança do futuro. Apelando ao desenvolvimento de "boas políticas de saúde, agricultura, educação e empregabilidade", lançou o apelo para que se proporcione a fixação de jovens no interior do Pais.
Já o PSD, por intermédio do líder de bancada Cláudio Vitorino, lembrou as palavras do Coronel Castro Carneiro, em 2010, neste mesmo Salão Nobre: "Passados que estão 36 anos, e olhando a situação a que chegamos, impõe-se que eu me pergunte: Foi para isto que se fez o 25 de Abril? Valeu a pena? É preciso fazer outro 25 de Abril? Confesso que não me é nada fácil responder a estas questões." São, de facto, interrogações que fazem muito sentido, pois hoje os valores de Abril estão mais do que nunca em causa, o que levou também outros capitães de Abril mediáticos a questionar se terá valido a pena todo o esforço e dedicação à causa de Abril".
Cláudio Vitorino alertou que "muito há ainda a fazer no que respeita à justiça social, e que certamente não foi para cavar um fosso cada vez maior entre ricos e pobres, para criar uma sociedade corrupta e impune, para que gestores de empresas públicas, que nos deviam servir, continuarem eles próprios a servirem-se e a receberem ordenados milionários quando as respectivas empresas dão prejuízo, para que existam cada vez mais trabalhadores precários, para que o número de pobres continue a aumentar, certamente que não foi para isto que se fez o 25 de Abril".
A afronta ao Poder Local
Lembrando a "afronta que tem sido feita ao poder Local", o representante do PSD lançou o mote para que o Presidente da Câmara Municipal de Sernancelhe, José Mário Cardoso, lembrasse o que ouviu na rádio durante a manhã: "Ouvi duas coisas que muito me impressionaram e que nos fazem pensar no sentido de Abril e na conquista que se alcançou: Primeiro, que Portugal nunca teve tantos casais desempregados; depois ouvi um Secretário de Estado dizer que obras públicas como o Túnel do Marão e o auto-estrada da Costa da Prata não contribuíram para o défice que o País vive...". "Acho isto espantoso e revelador de como, por um lado, temos o exemplo da crise profunda, do choque que causa o sofrimento e a aflição de casais sem trabalho, sem rendimentos; por outro lado, um governante que mente, que falta à verdade e que não tem nenhuma noção da realidade do país, de com se governa e de como se contribui para o crescimento do País".
"O nosso Concelho é o maior exemplo deste tipo de política que vivemos nos últimos seis anos e que visa atingir o poder local. Fomos perseguidos, fomos denegridos na nossa imagem, fomos acusados, fomos caluniados... no final, os tribunais deram-nos razão e deitaram por terra a estratégia de certos políticos com agendas partidárias", explicou José Mário Cardoso.
Adélia Sobral, Presidente da Assembleia Municipal, falou de Abril como o culminar de "longos anos em que muitos lutaram, foram presos e perseguidos por um ideal: o ideal da Liberdade". Recordando a coincidência de o 25 de Abril ser este ano assinalado no dia seguinte à Páscoa, lembrou que "este ano vamos ter eleições, mas não somos livres porque estamos reféns do FMI, do BCE e da Comissão Europeia". Por isso, continuou, "hoje o 25 de Abril não pode ser sentido em toda a sua plenitude, porque a história repete-se: os portugueses não sabem agarrar e fazer perdurar o que de bom nos foi oferecido por uma juventude heróica, destemida e com tanta dignidade", concluiu.
Recriação da sala de aula do Estado Novo
Dando cumprimento ao programa das comemorações do 25 de Abril, foi no Centro Municipal de Artes que foi recriada uma sala de aula do Estado Novo. Aproveitando o mobiliário escolar existente nas antigas escolas do Concelho, foi recuperada a "lição de Salazar" e decorado o espaço, por forma a dar-lhe o aspecto aproximado ao que seria a escola de então. A professora Fátima Roque, natural e residente em Sernancelhe, deu uma aula sobre o "Império" e exemplificou como seria a sala de aula do tempo de Salazar. Com o rigor próprio de quem viveu o espírito da antiga escola, a professora fez ainda o contraponto com os tempos actuais e mostrou as duas realidades que se viveram no século XX. No final, Fabiana Cardoso, uma menina do Concelho de Sernancelhe, leu um poema alusivo a Abril, retirado do livro do também Sernancelhe José Campos Portinha.
Por fim, a Academia de Música de Sernancelhe deu um autêntico festival no Auditório Municipal. Actuaram, em primeiro lugar, os meninos que venceram, há poucos dias, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, o prémio Foco Musical 2011. Para encantamento dos pais e de cerca de três centenas de pessoas que lotaram o Auditório, as crianças mostraram grande qualidade musical, dotes artísticos e disciplina notáveis. Durante uma hora, actuaram dezenas de jovens no palco do Auditório, interpretando sempre músicas de Abril. No final, coube aos professores da academia interpretarem quatro temas, também de Abril, fechando em grande estilo uma manhã plena de simbolismo e riqueza cultural.