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 “Comeram-lhe à tripa forra carniça refogada, cozida, assada, de porco, de vaca, de chibato, carniça para todos os paladares. O arroz estava de se trocar por um prato dele a imortalidade, o cabrito, rechinado no espeto e picadinho do sal, até fazia cócegas no céu-da-boca. Quem bem come bem bebe, acabaram a janta enfrascados e lerdos como patos na engorda”

(Aquilino Ribeiro, Terras do Demo - 1919).

 

Presunto TadicionalÉ a matança do porco que tempera os sabores da gastronomia regional. As famílias reúnem-se em torno desta tradição invernal e aproveitam para degustar as filhoses de sangue e outras vísceras. Os torresmos, a carne entremeada, as fêveras assadas e o fígado frito com batata cozida são os pratos eleitos. É também graças ao porco que se prepara o fumeiro para consumir durante o ano seguinte: morcelas, farinheiras, moiras, chouriças e salpicões secam ao lume brando das lareiras, ao calor da giesta e do pinheiro recolhidos nas serras durante o Verão. Para a salgadeira vão ainda os presuntos, as pás e os pés do porco. Devidamente acondicionados, são retirados do sal alguns meses depois para receberem uma camada de pimento. Uma fatia de presunto, servida sob uma toalha bordada à mão, é obrigatória em todas as casas do Concelho. Nos restaurantes da região confeccionam-se pratos como a farinheira com espigos e batata cozida; o cozido à portuguesa e os pés de porco com couve ripada e vinagre, acompanhados de batata cozida ou estalada.

 

Os pratos regionais variam consoante a imaginação de cada casa. Muitas iguarias reflectem a capacidade das gentes do Concelho em debelar as adversidades a que a região foi votada, o clima e o relevo particulares. O isolamento moldou também as mentes e incutiu a ideia de que tudo o que a terra dá tem de ser aproveitado ao máximo. “Os povos do concelho de Sernancelhe, encerrados em estreitos vales montanheses, ou alastrados na planície, viveram, no seu início, dos rebanhos e dos produtos da agricultura. O tempo e o progresso modificaram os hábitos e os costumes, mas não lhes modificou o ambiente ou o meio da sua acção e desenvolvimento. A montanha dar-lhes-á sempre o trato dos rebanhos que lhes fornecem o leite, a carne para a alimentação e a lã para o vestuário; enquanto que a planície, onde os frutos e os grãos abundam, fá-los-á agricultores, sem desprezarem o peixe dos rios, num dos quais, o Távora, o há em considerável quantidade”. (Vasco Moreira, Terras da Beira – 1929)

 

paoFoi com a serra e com o rio que os sernancelhenses aprenderam a conviver à mesa. Séculos de proximidade com a natureza resultaram em especialidades como as enguias de barril, acompanhadas do famoso trigo da Lapa; os peixinhos do rio em molho de escabeche; ou o pão de trigo com queijo fresco de cabra produzido na encosta da serra da Lapa. Do Távora brotam ainda petiscos muito apreciados nos restaurantes à beira rio, destacando-se as trutas fritas ou em molho de escabeche.

 

Sernancelhe é apaixonado pelo bacalhau cozido com grão e batata, condimentado com salsa ripada e cebola picada. O prato é muito procurado nos restaurantes do concelho e faz parte de quase todos os menus, o que o transforma numa iguaria enraizada na cultura local devido à forte migração que sempre caracterizou estas terras.  Confecciona-se também outro prato muito consumido no Concelho: o bacalhau com batata a murro assada em forno de lenha. O segredo para o paladar inconfundível está na excelsa qualidade do azeite de Sernancelhe que “embebeda” as batatas.

 

Hoje come-se o cabrito em muitos restaurantes da região. Contam os mais idosos que nem em tempo de festa na aldeia muitas casas de família tinham direito a uma perna de cabrito! Nos tempos que correm, não há festa nem restaurante que não tenham como prato de eleição o cabrito.

 

cavacasA doçaria está directamente ligada a dois sectores da sociedade que marcaram de forma indelével a história do Concelho: o povo e a religião. O povo, deitando mãos dos parcos recursos que possuía, aproveitava os pedaços de carne e cozia as gostosas bolas nos fornos comunitários das aldeias. Fazia fritas e filhós por altura das festas na aldeia, cozia bolo de azeite e aproveitava os ovos e o leite para preparar leite-creme e arroz doce. As receitas passaram de mão em mão e permanecem intactas.

 

Nos conventos e mosteiros tiveram origem dois dos mais apreciados exemplares da doçaria sernancelhense: fálgaros de Tabosa do Carregal e as cavacas de Freixinho. Longe vai o tempo em que no Convento de Nossa Senhora da Assunção, em Tabosa, se confeccionavam os famosos fálgaros dentro das quatro paredes do último mosteiro feminino do país. Os doces de pão de trigo feitos com queijo fresco deixaram de sair do forno com a regularidade da época, mas enchem as mesas de muitas casas de Carregal por altura das festas. A iguaria, que fez as delícias do Mestre Aquilino Ribeiro, é acompanhada de vinho tinto, de preferência servido em panelos de alumínio. Outrora ofertas de luxo para abades e doutores, as Cavacas de Freixinho são hoje sobremesa requintada feita à base de trigo, ovos e azeite, depois coberto por uma calda de açúcar. Ao contrário dos fálgaros, é confeccionado com regularidade, principalmente em Freixinho e Vila da Ponte, sendo vendido para todo o país.

 

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Em plena capital da castanha, este fruto tem honras de rainha. É utilizado na cozinha como complemento alimentar, mas, em tempos substituiu a batata. Cozidas, assadas, em pudim ou em compota, são múltiplas as formas de saborear a castanha de Sernancelhe.

 

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